O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) lançou há poucos dias um relatório com o qual pretende esclarecer para o grande público como o governo federal pretende operacionalizar a chamada “Neoindustrialização” do país no contexto do Plano Plurianual 2024-2027. Como se sabe, os planos plurianuais, conhecidos pela sigla PPA, estabelecem diretrizes, objetivos e metas para um prazo de quatro anos. Neste novo PPA, adotou-se a classificação de algumas “prioridades”. Assim, a prioridade “Neoindustrialização, trabalho, emprego e renda” é o tema deste detalhamento recém publicado pelo MPO. 

O Brasil 2100 estudou parte deste relatório para entender melhor o que se pode esperar desta política pública nos próximos anos. Que caminhos, que ações e que resultados devemos esperar no importante tema da retomada do ciclo de desenvolvimento industrial do Brasil? O relatório do MPO ajuda exatamente a entender estas perspectivas e a mapear estes próximos passos. 

A prioridade da Neoindustrialização do país é uma dentre seis prioridades nacionais definidas no PPA 2024-2027. As demais são: “Combate à fome e redução das desigualdades”, “Educação básica”, “Saúde – atenção primária e atenção especializada”, “Programa de Aceleração do Crescimento – Novo PAC” e “Combate ao desmatamento e enfrentamento da emergência climática”. As prioridades constam da Lei 14.802 de 2024, que institui o PPA para os próximos anos. 

Prioridade para a Neoindustrialização

Com respeito ao tema da retomada da qualificação dos setores produtivos, o que o PPA prevê para a chamada Neoindustrialização? O órgão colegiado criado para mobilizar o tema em políticas públicas é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Este veio a definir que a prioridade Neoindustrialização  tem seis grandes objetivos: a) melhorar a produtividade, a competitividade e o ambiente de negócios da indústria; b) fomentar a economia verde e a descarbonização da produção; c) aumentar a resiliência das cadeias produtivas nacionais e a capacidade tecnológica e de inovação da indústria; d) melhorar os sistemas de financiamento à produção industrial e promover a compra pública e a transferência de tecnologia; e) digitalizar a indústria e promover a criação de serviços digitais de informação e comunicações; f) aperfeiçoar as políticas públicas que tenham impacto sobre o desenvolvimento industrial.

Devido ao fato de que os objetivos são bastante amplos, e pela própria característica de intensa multissetorialidade da indústria, a prioridade Neoindustrialização precisou ser considerada de forma abrangente no PPA. Some-se a isso os costumeiros desafios de coordenação institucional e interministerial para a boa implementação de políticas públicas, a abrangência do tema aumenta ainda mais. Por isso, decantaram-se alguns objetivos mais específicos a fim de afunilar taticamente a ação pública, prevendo assim resultados mais mensuráveis e observáveis. 

Daí nasceram as famosas “missões” que o CNDI definiu como os eixos que compõem a nova política industrial do Brasil, popularmente conhecida como Nova Indústria Brasil (NIB). Estas missões são: 1) Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; 2) Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir vulnerabilidades do SUS e ampliar acesso à saúde; 3) Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e bem-estar nas cidades; 4) Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; 5) Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir recursos para futuras gerações; e 6) Tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais. 

A mera descrição de cada uma destas missões, pela leitura do relatório do MPO, não auxilia de maneira significativa na compreensão do que cada uma delas de fato entregará como resultado de política pública. Isto porque a redação ainda se encontra limitada pelo fato mesmo de que as políticas ainda estão em fase inicial de construção, não havendo muito a mensurar, comparar ou avaliar para que se tenha uma noção de caminho percorrido. Além disso, sempre é necessário integrar em qualquer avaliação as muitas intervenções do Poder Legislativo sobre a concepção e execução de qualquer política pública. Entretanto, isto não retira o valor do relatório em termos de fornecer uma fonte de acompanhamento qualificado para a parcela da sociedade interessada no sucesso da iniciativa. 

Como o próprio relatório aponta, “o que se busca é fornecer subsídios para o monitoramento, a avaliação e o aperfeiçoamento da atuação governamental, a partir de indicadores e metas estabelecidos com base nos desafios a serem superados, nos instrumentos disponíveis para financiamento e implementação das políticas públicas e nos limites fiscais condizentes com a trajetória sustentável da dívida pública”. 

Transversalidade das políticas e limites fiscais

Outros pontos que saltam aos olhos na leitura do relatório do MPO a respeito da Neoindustrialização são a forte ênfase em controle social e transversalidade das políticas, bem como a obediência aos rigorosos limites fiscais.

No que tange as questões de participação da sociedade civil nas políticas, suas representações nos debates e na execução e a transversalidade dos objetivos, o relatório apresenta uma prioridade estratégica que, mesmo sob pesadas dificuldades intrínsecas, precisa atender critérios acessórios que são colocados em pé de igualdade com os objetivos principais. Para o governo, a Neoindustrialização precisa ser dialogada com a sociedade a cada passo, deve atender interesses de grupos sociais vulneráveis, tem que estar geograficamente bem distribuída e não pode deixar de produzir resultados econômicos para os trabalhadores ao mesmo tempo que estabelece ganhos de produtividade e competitividade para uma área da economia que há décadas sofre de erosão. 

São ambições quiçá amplas demais para um conjunto de iniciativas limitado por um contexto orçamentário rígido e adverso. Ao deixar claro que a Neoindustrialização deve obedecer aos ditames fiscais vigentes, o relatório inevitavelmente levanta a questão sobre até onde se pode chegar. 

Políticas industriais, sejam elas divulgadas como “missões”, “políticas públicas de desenvolvimento”, “políticas setoriais” e outros nomes que se possa dar, têm características bastante conhecidas e universais: custam muito, demoram para dar frutos e, exatamente por isso, são muito transformadoras. Mas a história ensina que suas transformações, apesar de profundas, demandam das sociedades paciência e boa vontade para colaborar na construção. São, assim, quase sinônimo de política estruturante, e por essa razão em geral são planejadas e executadas à certa distância de objetivos e problemas circunstanciais. Nas condições apresentadas pelo relatório do MPO, a Neoindustrialização brasileira conseguirá chegar ao ponto de efetivamente transformar o Brasil?